Marquises: Porque algumas caem?

1. Introdução

 

Este trabalho de discussão sobre o tema explicita os mecanismos e os agentes causadores mais frequentes da ruína das marquises e ressalta a necessidade de inspeção periódica realizada por profissional habilitado. Primeiramente, é preciso definir marquise, que consiste em um elemento construtivo saliente que avança em balanço, em relação ao alinhamento do edifício e que serve, na maioria das vezes, de proteção ao pedestre quanto à chuva, sol e objetos que podem cair dos pavimentos superiores. Desse modo, pode-se dizer que uma marquise consiste em um elemento estrutural muito útil e esteticamente interessante. Contudo, por ser um elemento em contato com a edificação principal apenas pela região de engastamento, isto implica em uma característica se não perigosa, no mínimo merecedora de atenção especial, seja no projeto, na execução e na conservação desta ao longo do tempo. Esse aspecto é abordado de forma detalhada ao longo deste trabalho.7

 

2. Comportamento estrutural

 

Em termos de comportamento e segurança estrutural, o concreto armado pode viabilizar a execução de estruturas com caráter de ruptura dúctil. Isto ocorre, apesar do concreto ser, de per si, um material frágil. O material composto formado pela união do concreto com o aço (material dúctil) dá resultado a um material com comportamento intermediário. A grande vantagem disso é que, via de regra, o concreto armado suporta deformações consideráveis a ponto de produzir um quadro de fissuras evidentes antes de chegar ao colapso. Isto dá origem ao jargão bem conhecido de que uma estrutura de concreto armado “avisa” antes de ruir. A marquise é uma exceção a esta regra (tende a sofrer ruptura brusca, tipo frágil, sem aviso) e, por isso, é um componente estrutural que, mais do que nunca, precisa ser perfeito no seu projeto, na sua execução e na sua utilização. Além disso, um programa de manutenção preventiva é de extrema importância para qualquer estrutura de concreto armado e no caso das marquises muito mais. Situações como essas são bastante comuns, uma vez que as marquises apresentam uma tendência a sofrerem ruptura brusca, sem aviso, por se tratar de estrutura isostática e com um único vínculo. De forma geral, pelo ponto de vista da configuração estrutural, uma marquise pode ser uma laje diretamente engastada na edificação principal ou ser constituída por um sistema de laje apoiada em vigas engastadas, como ilustrado na Figura 3.

3. Histórico e antecedentes

 

 Acidentes envolvendo marquises são bastante comuns. Isto ocorre principalmente pela falta de manutenção preventiva, como será discutido neste artigo. Os acidentes tem ocorrido tanto nas marquises cuja configuração estrutural é de laje diretamente engastada, quanto nas quais a configuração é de laje sobre vigas engastadas, e em edificações novas ou antigas. As causas mais frequentes dos acidentes são: a corrosão de armaduras, a sobrecarga na estrutura, o erro de projeto, o mau uso da edificação, as falhas na execução e a infiltração de água, sendo a maioria delas passíveis de serem evitadas por um programa de inspeção e manutenção periódica da marquise.

 

4. Principais agentes causadores de colapso de marquises

 

 Deve-se ter em mente que nem sempre o colapso ocorre devido a um destes agentes causadores de forma isolada. Em geral, há agentes causadores principais e outros intervenientes ou aceleradores. O erro de projeto é sempre uma possibilidade que deve ser investigada no caso de desabamento de uma marquise. Porém, este tópico é muito amplo e dependente de cada caso e, por isso, não irá ser tratado nos subitens que seguem.

 

4.1 Mal posicionamento das armaduras

 

Uma marquise é uma estrutura em balanço e, por isso, sujeita a momentos negativos. Estes esforços atuantes estão ilustrados na Figura 4. Isto significa que para resistir os esforços atuantes, as armaduras principais devem estar posicionadas na face superior da laje. Este detalhe precisa ser executado com cuidado, uma vez que a sua não observância pode vir a ser o motivo do desabamento da marquise. O posicionamento destas armaduras principais precisa ser assegurado como previsto no projeto. Contudo, existe a possibilidade, não tão pequena, de ocorrer o afundamento destas barras devido ao tráfego de operários no momento da montagem da armação e da concretagem, e ao adensamento do concreto com o uso de vibradores. De acordo com Dorigo (1996) [1], o posicionamento das barras de momento negativo abaixo do previsto em projeto não traria maiores consequências em peças de grande altura, contudo, no caso de uma marquise este efeito é relevante quando esta é do tipo diretamente engastada, cuja altura é normalmente reduzida. Assim, é imprescindível que o engenheiro de obra só libere a concretagem destes elementos com uma revisão criteriosa do posicionamento das armaduras.

4.2 Corrosão de armaduras

 

Um dos motivos que contribuem para o colapso abrupto de uma marquise é o fato de que existe uma tendência ao surgimento de micro-fissuras na parte superior do engaste, como ilustrado na Figura 5.

Nos primeiros anos de utilização da obra, o sistema de impermeabilização impede o acesso de umidade e de agentes agressivos nas fissuras existentes de forma mais ou menos eficiente reduzindo o risco de corrosão do aço na região do engaste da marquise. Geralmente o problema ocorre pela falta de manutenção deste sistema de impermeabilização, o que permite o acesso de agentes agressivos como íons cloretos e poluentes atmosféricos típicos como o gás carbônico (CO2 ), monóxido de carbono (CO), e outros gases ácidos tipo SO2 , que juntos com água de chuva formam a chamada chuva ácida de alto poder de deterioração sobre estruturas de concreto. Some-se a esta agressividade a presença de fuligem ácida decorrente da queima de combustíveis e a presença de fungos típicos de ambientes úmidos e quentes. O acesso de um ou alguns destes produtos a esta região de concreto micro-fissurado resulta no seu contato com as armaduras trazendo como consequência a sua despassivação. Como é comum a ocorrência de ciclos de molhamento e secagem nesta área, o micro-clima configurado é muito favorável ao desenvolvimento do processo de corrosão de armaduras de aço, de forma acelerada. Somado a todo este problema, existe o fato de que a corrosão das barras de engastamento de uma marquise é um caso típico de corrosão sob tensão, que é um processo ainda mais rápido do que o convencional, com a formação de uma macro-célula de corrosão sob tensão, conforme descrita por Helene (1993) [6]. O aço fragiliza-se localmente na seção da fissura onde está corroído (Figura 6) e rompe sem aviso por corrosão intercristalina ou intergranular. Diante dessas informações é importante ressaltar que estruturas especiais como as marquises devem merecer tratamento diferenciado, coisa que não ocorre na atual norma brasileira de projeto – NBR6118/03 [7]. Nesta são previstos valores de abertura de fissura máximos em torno de 0,2mm a 0,4mm, dependendo da agressividade do ambiente, para elementos estruturais submetidos à tração em geral, sem distinção quanto à sua tipologia. Estruturas como marquises deveriam ser, se possível, projetadas para não apresentar qualquer tipo de fissuração (estádio I). No entanto, para se evitar alteração na maneira como são calculadas, poderia-se admitir aberturas de fissura bem pequenas na faixa de 0,05mm como tem sido discutido nas reuniões do Comitê Técnico do IBRACON – Durabilidade e Vida Útil das Estruturas de Concreto Armado. Dessa forma, a durabilidade destas estaria garantida, e os riscos de uma ruptura brusca decorrente da corrosão minimizados. No caso de ocorrência de corrosão no fim da vida útil do elemento, esta se daria preferencialmente de forma generalizada (Figura 7), apresentando sinais evidentes de degradação, como manchas, fissuras e destacamento do concreto, antes do colapso do elemento.

4.3 Sobrecarga

 

A aplicação de cargas não previstas em projeto é muito comum em lajes e marquises antigas e pode ser tanto um fator prejudicial a sua durabilidade como o próprio agente causador isolado da ruína da estrutura. Um dos casos mais comuns é o da manutenção de forma inconsequente do sistema de impermeabilização. Muitas empresas do ramo tendem a tomar o caminho mais fácil para a renovação dos sistemas de impermeabilização vencidos das marquises. Ao invés de remover todo o sistema antigo juntamente com sua argamassa de proteção para só então aplicar a nova impermeabilização, instala-se o sistema novo sobre o antigo como exemplificado na Figura 8. Os anos passam e novas impermeabilizações são aplicadas da mesma forma até a ruína da marquise por sobrecarga não prevista em projeto. O caso mais crítico que estes autores observaram foi uma marquise com laje de 7cm de espessura com inúmeras camadas de impermeabilização superpostas totalizando 56cm.

O acúmulo de água sobre a marquise também pode vir a produzir sobrecarga na mesma. Isso ocorre quando os sistemas de escoamento de águas pluviais estão subdimensionados ou estão falhos (geralmente pelo fato de a impermeabilização estar vencida ou as tubulações de escoamento estarem obstruídas). Outra fonte de sobrecargas em marquises é a instalação de equipamentos como ar-condicionado entre outros e de estruturas secundárias como letreiros, uma vez que muitas lojas têm marquises em sua fachada. Este tipo de ocorrência é muito comum segundo a COSEDI (Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis de Curitiba). Ainda sobre este aspecto é importante salientar que o esforço do vento sobre estes letreiros são transmitidos à marquise que pode ter sua estabilidade ameaçada, podendo vir a ruir. Portanto, não se trata simplesmente de suporte ao peso da estrutura do painel. É fundamental a consulta a um Engenheiro Civil especialista em cálculo estrutural antes de tomar a decisão de instalar qualquer peso não previsto no projeto da marquise.

 

5. Considerações finais

 

Devido a todas as peculiaridades apresentadas, pode-se dizer que uma marquise é um elemento estrutural que precisa de cuidado especial com o projeto, execução e a manutenção periódica. Durante o projeto deve-se atentar para detalhes relativos à sua durabilidade, como cobrimento, classe de concreto e principalmente abertura de fissuras, que deve ser preferencialmente evitada, ou limitada a valores inferiores a 0,05mm. Outro ponto importante é o acesso de público a estas. Em situações onde existe este acesso, ou o risco potencial deste, este deve ser considerado no dimensionamento. Na fase de execução deve se atentar para o correto posicionamento das armaduras e demais detalhes construtivos, cabendo ao engenheiro de obra uma revisão detalhada destes itens antes da liberação da concretagem. A manutenção periódica destes elementos deve ser realizada em períodos mais curtos do que o da estrutura principal a que ela faz parte. Além disso, o profissional para as vistorias periódicas não pode ser um simples engenheiro civil. É preciso especialização e muita experiência na área de patologia e funcionamento estrutural de estruturas de concreto armado. Além disso, o usuário precisa adquirir a noção de que uma edificação não dura para sempre e precisa de manutenção e inspeções realizadas por um profissional capacitado em determinados momentos da sua vida útil.

 

Fonte: http://coral.ufsm.br/decc/ECC1006/Downloads/Marquises_quedas.pdf

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